ARTIGO – PISO DA ENFERMAGEM: A QUEM INTERESSOU?

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Prezados Associados,

A ABCDT conquistou um importante espaço numa área de prestígio no portal JOTA. O nosso vice-presidente, Dr. Leonardo Barberes, assina nesta segunda-feira (19/06/23) um artigo sobre o piso da enfermagem.

O portal JOTA é o que está fazendo a cobertura mais completa e equilibrada sobre os desafios de implementação do piso da enfermagem no país, e é lido pelos ministros do Supremo, pelo Legislativo e pelo Executivo.

Portanto, o nosso posicionamento em defesa das clínicas de diálise se dá em timing adequado, com argumentos estratégicos e num veículo consumido por quem toma as decisões.

Confira o artigo abaixo:

Piso da Enfermagem: A quem interessou?

Demissões de enfermeiros começam a ser anunciadas em regiões onde estudos haviam indicado grande risco de isso acontecer

  • LEONARDO BARBERES

19/06/2023 05:10

Uma lei, duas emendas constitucionais e uma portaria regulamentadora até a instituição do piso da enfermagem no Brasil.

Não se tem historicamente no Congresso Nacional movimentos parecidos, com tamanha agilidade e para “beneficiar” uma única categoria. Realmente esse seria o Congresso que o país precisaria, com tantas demandas nacionais transformadoras que dependem dessa velocidade para encaminhar o rumo da nação.

Afinal, a aprovação de projetos no Congresso é um evento raro. A média costumava ser de apenas 1 a cada 280 propostas legislativas se tornando efetivamente lei, de acordo com levantamento feito por Daniel Marcelino, analista de dados do JOTA e pesquisador de instituições como Universidade de York, Universidade de Montreal e Ipea. Menos de 0,9% das proposições apresentadas são convertidas em lei no Brasil, enquanto que no Congresso dos Estados Unidos essa taxa é de aproximadamente 4%.

Durante esses quase dois anos de tramitação do PL do Piso da Enfermagem, foram inúmeros os dados mostrando que a horizontalização do piso em um país com tamanha desigualdade social poderia gerar impacto deletério para prefeituras e até governos estaduais, criando distorções locais no segmento de saúde e até na comparação com outros setores.

Estudos robustos foram produzidos dando suporte a instituições privadas com e sem fins lucrativos, mostrando a insustentabilidade do setor de saúde, caso isso viesse a acontecer. Mas aconteceu. Nenhum argumento estatístico e econômico foi suficiente para cessar a sede por estabelecer uma “dignidade profissional” – mais que merecida – à categoria; como se a desigualdade pudesse ser corrigida por meio de uma assinatura, sem observar e respeitar as múltiplas realidades regionais que o país vive, seja na educação, saúde, empregabilidade entre outras.

Obviamente, o que era esperado já vem acontecendo. Unidades de saúde e entidades representativas do setor começam a anunciar demissões de enfermeiros em regiões onde os estudos haviam apresentado grande risco de isso acontecer. Impacto também no fechamento de leitos hospitalares e clínicas de diálise diminuindo turnos de atendimento a pacientes SUS e privados.

À medida que foi sendo construída a Lei 14.434/2021 – desde o PL 2654/21 –, a busca por dar forma ao que não era razoável foi contagiando todos os parlamentares que, acuados, viram-se presos sem se deixar ouvir a voz da razão e que a cada Emenda Constitucional tornava mais difícil a consolidação desse projeto. E hoje observam como vítimas, com discurso que nada tinham a fazer, pois a comoção era muito grande, um monstro do marshmellow se movimentando tentando dar vida a algo que não é implementável do ponto de vista administrativo, trabalhista e financeiro.

Uma clara decisão populista, em ano eleitoral, sem responsabilidade com a sua concretização. Enfermeiros aguardam o reajuste dos seus salários, mas ninguém sabe como pagar essa conta. Enquanto isso, o setor de saúde respira por aparelhos.

Na retomada do julgamento do piso da enfermagem no Supremo Tribunal Federal na semana passada, inclusive, o ministro relator, Luís Roberto Barroso, e o ministro Gilmar Mendes votaram em conjunto por novas diretrizes de implementação. Eles mantiveram a regra criada para empresas privadas prestadoras de serviços, com ao menos 60% dos pacientes do SUS. De acordo com os ministros, as clínicas de diálise deverão efetuar os pagamentos aos profissionais da enfermagem de acordo com o que for repassado pela União. Os ministros também determinaram que uma vez disponibilizados os recursos financeiros suficientes pela União o pagamento do piso da enfermagem deverá ser proporcional nos casos de carga horária inferior a 8 horas de trabalho por dia ou a 44 horas semanais. A Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT) calcula em R$ 650 milhões o impacto do aumento do piso da enfermagem nas cerca de 800 clínicas privadas que prestam serviços ao SUS. Como a Portaria 597 do Ministério da Saúde que determinou a destinação de recursos para custear o novo piso não é clara, e com valor destinado insuficiente para custear esse aumento de despesa em todo país, as clínicas estão sem saber como fazer.

A orientação é notificar cada gestor municipal ou estadual de saúde para informar seus custos com pessoal e saber se de fato vão poder remunerar os funcionários e receber por isso. Isso num momento em que sofrem com a Tabela SUS da Diálise defasada em 40%. A conta não fecha e, por isso, mais de 40 clínicas já encerraram as atividades no Brasil nos últimos cinco anos. Mas os enfermeiros esperam pelo piso no próximo salário.

Dos 21 estados e prefeituras que responderam às notificações enviadas pelas clínicas de diálise, as respostas unânimes foram: não sabem como pagar o piso aos enfermeiros.

A fase de apresentar estudos, trabalhos e se fazer ouvir no parlamento já passou. Hoje estamos sentados em cima do maior de todos os dilemas: mais de 80% das clínicas de diálises são lideradas por médicos nefrologistas que construíram nas mais de 440 cidades pelo país suas unidades, que atendem a 85% dos pacientes SUS. Diferentemente de outras modalidades de atendimento, a diálise não pode parar e ver tudo que foi construído ao longo de décadas derreter. São 154 mil pessoas em diálise no país, mas o número de doentes renais sem tratamento é infinitamente superior. E novas vagas não serão abertas porque o problema do custeio não tem previsão de ser equacionado.

Portas fechadas, desassistência, desemprego. Quem se beneficiou com isso?

LEONARDO BARBERES – Médico nefrologista e vice-presidente da

Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT)