AMEAÇA DE FALTA DE HEPARINA, MEDICAMENTO ESSENCIAL NA HEMODIÁLISE, PREOCUPA DOENTES RENAIS CRÔNICOS

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Fabricantes alegam falta de matéria-prima e aumento da demanda do anticoagulante durante a pandemia de Covid-19.
Célia Costa.
06/08/2020 – 09:21 / Atualizado em 06/08/2020 – 09:31
RIO — Doentes renais crônicos já temem que a falta de heparina, medicamento essencial para a realização da hemodiálise, interrompa o tratamento que os mantêm vivos. Sem o medicamento, o tratamento de cerca de 140 mil pacientes renais, que fazem hemodiálise em 800 centros do país, pode ser afetado. A demanda pelo remédio aumentou durante a pandemia pois a heparina está sendo usada em pacientes com Covid-19 para evitar processos trombóticos.
A Associação Brasileira de Centros de Diálise e Transplante (ABCDT) informa ter alertado o Ministério da Saúde oficialmente pela terceira vez desde o início da pandemia de Covid-19 sobre a instabilidade do preço e o risco real da falta de disponibilidade no mercado da substância. Os laboratórios Eurofarma e Cristália informaram que a falta da matéria-prima e o aumento do preço por conta da desvalorização do real já afeta a produção do medicamento e não descartam o desabastecimento.
Procurado, o MInistério da Saúde não se pronunciou sobre a instabilidade no fornecmento da heparina.
Pacientes e médicos angustiados
Morador do bairro de Anchieta, na Zona Norte do Rio, o ferroviário Almir Coelho de Moraes, de 43 anos, depende da realização de sessões de hemodiálise, três vezes por semana, para se manter vivo.
— Há um ano e nove meses meus rins pararam de funcionar. A única solução é um transpante, mas ainda estou fazendo os exames para entrar na fila. Enquanto isso, a hemodiálise é o que me mantém vivo. Estamos todos preocupados com a possibilidade de faltar heparina. O anticoagulante permite que a gente siga ligado à máquina enquanto o sangue é filtrado. Sem ele, o sangue coagula e bloqueia os filtros. Está sendo um momento muito difícil. Além do medo de contrair Covid-19 no deslocamento para o centro de diálise, agora há mais essa preocupação — relata o ferroviário, que faz tratamento em Triagem.
O nefrologista Marcos Alexandre Vieira, presidente da ABCDT, disse que médicos, pacientes e familiares estão angustiados.

— Já enfrentamos problemas com a escassez da heparina anteriormente, mas durante a pandemia isso se agravou. O uso está sendo feito em maior escala. Além dos pacientes que precisam fazer hemodiálise nos hospitais, a heparina sódica está sendo usada no tratamento da Covid — explica o médico.
Pesquisas apontam esperança no tratamento da Covid
Cientistas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e colaboradores europeus descobriram, em testes conduzidos em laboratório, que a heparina pode impedir que o novo coronavírus invada as células. E, se comprovada por mais pesquisas, pode ajudar no tratamento da Covid-19.
À frente do estudo, a biomédica Helena Nade, cientista premiada, afirma que o uso do anticoagulante para tratar os microtrombos que agravam a doença precisa ser feito com extremo cuidado. “Heparina não é panaceia, tudo tem risco”, frisou a cientista, em entrevista ao GLOBO, em maio.
E enquanto a heparina aparece como esperança em estudos para tratatamento do novo coronavírus, seu uso diário para manter doentes renais crônicos vivos segue em risco. Segundo a ABCDT, o nível da situação é crítica.
A associação enfatiza que os relatos de dificuldade de produção e informações de possível desabastecimento já se refletem no descumprimento dos prazos de entrega e na instabilidade dos preços de forma repetida ao longo do último ano. Para reverter este quadro, a ABCDT também solicitou, no dia 3 de junho, junto à Anvisa, que a heparina fosse incluída no rol de medicamentos listados como produtos sujeitos à vigilância sanitária que podem ser utilizados como insumos essenciais para o enfrentamento da Covid-19.
Segundo o levantamento feito pela associação que representa os centros de diálise, a heparina apresentou variação de preço atípica: o frasco de 5 ml teria passado de R$ 7 para R$ 23, com reajuste de mais de 200%. O quadro é agravado quando se usa como parâmetro a variação do dólar, levando-se em conta a disparada atual provocada pela pandemia.
Laboratórios enfrentam problemas na fabricação
Em nota, o laboratório Eurofarma informou que sofre com problemas no fornecimento da matéria-prima (heparina crua e purificada).
“Entre as dificuldades está, principalmente, a obtenção do insumo “mucosa de boi”, subproduto de abates do setor pecuário, que também sofre os efeitos da pandemia. É importante ressaltar que a empresa não tem medido esforços para tentar suplantar esta dificuldade aproximando-se da cadeia de suprimentos dentro e fora do país”, diz a nota.
O laboratório confirmou que o aumento da procura pelo produto tem relação direta com a pandemia de Covid-19, já que muitos médicos no atendimento a pacientes infectados — e que desenvolvem quadros mais complexos no combate ao vírus — fazem uso desta medicação hospitalar.
Outro fabricante, o laboratório Cristália, disse que “em função da epidemia da peste suína africana, que atinge a Ásia e principalmente a China, responsável por 50% da produção dos suínos no mundo, a indústria farmacêutica enfrenta dificuldades na obtenção de matéria-prima.”
No comunicado, o Cristália afirma que , diante da redução de oferta, “o valor da matéria-prima (em dólar) mais que dobrou, gerando um novo desafio para indústria nacional, que possui os valores de venda controlados no Brasil.”
Fonte: O Globo – https://oglobo.globo.com/sociedade/ameaca-de-falta-de-heparina-medicamento-essencial-na-hemodialise-preocupa-doentes-renais-cronicos-24568737 – 06/08/2020