Portaria nº 389/14 acende a discussão sobre o atendimento a Doentes Renais Crônicos

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Representantes das clínicas de diálise e transplantes questionam o Ministério da Saúde e aguardam respostas para aderirem ao Programa.
Em abril de 2014, o Ministério da Saúde publicou a portaria nº 389/14, que define diretrizes e critérios para a organização da linha de cuidado da pessoa com Doença Renal Crônica (DRC). A proposta da portaria é instituir uma rede de atendimento multidisciplinar para pacientes renais crônicos, com intuito de estabelecer diagnósticos mais precoces e promover um atendimento integrado ao paciente, trazendo mais qualidade de vida e atuando sobretudo, nas fases iniciais e na prevenção da doença, que atualmente tem sido considerada um problema de saúde pública. A medida visa redução da mortalidade cardiovascular e a progressão para uma DRCT (DRC Terminal).

A ideia é instituir um incentivo financeiro para as clínicas que se dispuserem a fazer parte do Programa de Atendimento Ambulatorial pré-dialítico. Em sua essência, os estabelecimentos de saúde participantes do Programa definirão uma meta de atendimento em conjunto com o gestor de saúde responsável, e receberão incentivos de até 12% sobre o valor pago por paciente, conforme a quantidade definida no atendimento. Esta política define um novo tipo de serviço, as Unidades Especializadas em DRC, que, deverão ser instaladas em clínicas ou consultórios especializados em nefrologia, que já atendem ou não pacientes provenientes do SUS. Estas unidades deverão estar preparadas para realizar o acompanhamento ambulatorial do paciente nas fases iniciais da doença, ou seja, na fase pré-dialítica, e deverão seguir as diretrizes propostas na portaria, de promover um atendimento multidisciplinar, que inclui o médico nefrologista, psicólogos, assistentes sociais e nutricionistas.
Para fazer parte do programa, as clínicas interessadas deverão realizar o credenciamento junto ao órgão competente, no caso as Secretarias de Saúde Municipais e Estaduais, e este cadastro é encaminhado ao Ministério da Saúde para avaliação. Na prática, as Unidades Básicas de Saúde, em conjunto com as clínicas habilitadas, serão responsáveis pelo atendimento, matriciamento e encaminhamento do paciente renal crônico.
A proposta do Ministério da Saúde é inovadora e necessária, posto que amplia o acesso a especialidade, possibilita o acompanhamento adequado, diagnósticos mais precoces, mais qualidade de vida aos pacientes, além de um maior controle da doença renal. Segundo o Dr. Helio Vida Cassi, médico nefrologista no Paraná e presidente da Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante, ABCDT, muitos pacientes que iniciam a diálise perderam seu rim, não sabem disso e quando descobrem a doença está em estágio avançado.
A medida ainda possui uma série de pontos confusos, os quais aguardam respostas por parte do Ministério da Saúde. Pontos que travam o processo de credenciamento e impedem a adesão das clínicas. Hoje, apenas 15% dos estabelecimentos especializados manifestaram interesse, muitos por já possuírem grande parte da estrutura necessária exigida pela portaria, e consequentemente demandarem menos investimentos. Entretanto é evidente que grande parte da rede possui restrições à nova medida e não mostra disposição em exercer o serviço nos moldes determinados.
A ABCDT já se manifestou junto ao Ministério da Saúde, solicitando uma nova discussão para alguns dos termos propostos na Portaria. A entidade entende que a proposta de atendimento é boa em sua essência, mas não garante a sustentabilidade e pode não ter a adesão necessária, dificultando o avanço do Programa.
A principal contestação da entidade é com relação a contrapartida financeira, que hoje não é suficiente para tornar o programa sustentável. Os valores repassados atualmente pelo SUS, para a realização do tratamento de diálise e atendimento dos pacientes, já são insuficientes e a ampliação do atendimento para atender aos requisitos do Programa aumenta o rombo, causando prejuízo às clínicas.
O texto da portaria está disponível na íntegra no site da ABCDT, em LEGISLAÇÃO 2014 – PORTARIA Nº 389: www.abcdt.org.br. É possível também conferir os detalhes da Reunião na Coordenação de Alta e Média Complexidade do Ministério da Saúde e acessar os questionamentos encaminhados pela ABCDT ao Ministério.
Entrevista
O presidente da ABCDT, Hélio Vida Cassi, esclarece sobre a Portaria 389/2014 e a situação das DRCs no Brasil.
A adesão à portaria é obrigatória por parte das clínicas e centros de habilitação?
A portaria não determina que a clínica seja obrigada a atender . A clínica vai atender o paciente no ambulatório e nas consultas médicas se achar conveniente. Como a portaria está não há sustentabilidade para isso. Os cálculos já foram feitos e não há como pagar médico, secretária, enfermeiros, consultas com assistente social, psicólogo e nutricionista. A essência do negócio é muito boa. A ABCDT é favorável, principalmente porque as pessoas estão morrendo hoje sem acesso à nefrologia, sem acesso à diálise. A grande maioria dos pacientes que iniciam a diálise no Brasil perderam seu rim e nem sabiam disso e quando descobrem, a doença está em estágio avançado.
E como seria possível dar esse diagnóstico precoce?
Por meio de exames físicos, laboratoriais, e consulta adequada com o especialista. Não é difícil o diagnóstico. Mas não existem nefrologistas suficientes atendendo, não há qualquer estímulo para a contratação de médicos especialistas na área. Para se ter uma ideia, o MS paga R$ 10,00 reais ao profissional por uma consulta médica. Não há médico que queira atender por R$10,00 reais. A portaria tenta promover este atendimento, mas faz de uma maneira idêntica as condições de estrutura que já existem hoje. Ou seja, querem que as clínicas construam seus ambulatórios, invistam em estrutura, contratação de profissionais de apoio, mas mantém uma remuneração irrisória. Não há como as clínicas aderirem, tanto que 85% delas não aceitaram fazer parte do sistema. Só aderiram clínicas que já tem uma estrutura pronta.
Como funcionaria na prática o incentivo dos 12%, previstos na portaria?
Se você tiver 100 pacientes em hemodiálise e se dispor a atender pelo menos 100 pacientes no consultório, eu te dou um bônus de 12% no faturamento da hemodiálise. Isso é considerável, claro que tem que se pensar. Se você tem 100 pacientes e me diz, eu quero atender só 50 no ambulatório, eu vou te dar apenas 50% desse bônus no seu faturamento. E dá então condição para a clínica optar, eu não quero ou eu quero atender 25, 50, 75 ou 100% do número de pacientes que eu tenho em hemodiálise. Quanto mais atendimento, maior será o bônus. A clínica também ganha um fixo mensal por paciente e vai receber R$ 61,00 para atender esse paciente no ambulatório, além de receber esse bônus no faturamento da sua diálise. Juntando o bônus e mais o pagamento que o Ministério faz preconizado na portaria, é inviável. Ninguém quer, 85% das clínicas disseram não.
Já existe algum retorno por parte do Ministério frente as solicitações da ABCDT?
Se não houver sensibilização por parte deles, de que realmente a situação precisa ser melhorada, nada vai acontecer. E ninguém quer ganhar exorbitâncias. O que se quer é uma relação minimamente justa de prestação de serviços e reembolso adequado por esta prestação. Não dá para aceitar esses valores. Seria muito fácil o governo estabelecer uma rede de atendimento adequado usando a estrutura das clínicas, porém tem que dar às clínicas uma condição mínima para fazer esse trabalho. Isso passa por uma remuneração justa. O maior empecilho está aí. Se houvesse por parte do ministério uma sensibilização para pagar adequadamente os procedimentos, as clínicas iriam atender. Nós médicos, donos de clínicas, também temos esta missão social de prestar o atendimento e ajudar a população e não nos negamos a isso. Mas eu não posso também tirar dinheiro do meu bolso para manter uma clínica aberta e arcar com o prejuízo.
Fonte: Federação Brasileira de Hospitais – FBH
[email protected] – Renata Bennet 

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