Nos bastidores da hemodiálise: crise hídrica e energética

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Todos estão alarmados com o impasse gerado no país pela crise hídrica e os desdobramentos na produção e custo da energia. Ninguém é poupado, mas cabe destacar que alguns segmentos da sociedade são particularmente vulneráveis, dentre eles os pacientes em diálise, que somam 5.000 no Rio Grande do Sul, e 100.000 no Brasil. Cada paciente consome, por sessão de diálise, 400 litros de água potável, que necessita ser tratada por equipamentos especiais, e em épocas de escassez esta água pode estar com qualidade inadequada para este uso. Além disso, as máquinas de hemodiálise e de diálise peritoneal utilizam energia elétrica para seu funcionamento, e interrupções do fornecimento desta podem trazer prejuízos e riscos à saúde destas pessoas.

Como trata-se de tratamento para substituir a função dos rins que deixaram de funcionar, a hemodiálise é essencial às pessoas portadoras de rins não-funcionantes. Nossos rins costumam funcionar permanentemente para manter nosso organismo em equilíbrio, ou seja, eliminando a água e as toxinas produzidas pelo próprio corpo e pela digestão dos alimentos, além de regular a acidez do sangue e produzir hormônios indispensáveis à saúde. A Nefrologia é a especialidade médica que dedica-se a tratar destas pessoas, desde as etapas iniciais das doenças renais até o momento em que estes indivíduos necessitam viver com rins insuficientes, o que no passado já foi incompatível com a vida. Desde a década de 1960, surgiram estes tratamentos com hemodiálise que, feitos três vezes por semana, conseguem manter vidas razoavelmente normais, muitas vezes compatíveis com atividades sociais e laborais das pessoas atingidas. O Brasil é um país onde o acesso ao tratamento para a insuficiência renal é universal e de acesso gratuito, e junto com gestores públicos e privados, centenas de clínicas e milhares de trabalhadores da saúde ajudam a garantir esta conquista da cidadania brasileira.
Há porém uma preocupação crescente com o futuro destas clínicas, o que envolve impacto devastador sobre a vida de milhares de pacientes e suas famílias. Estas clínicas foram criadas, estruturadas e ao longo do tempo se ajustaram às melhorias tecnológicas e ao estrito regramento legal, de tal forma a proporcionar requisitos tecnológicos e humanos compatíveis com o melhor patamar existente. Infelizmente, estes investimentos foram seguidos de uma crescente desproporção dos pagamentos executados pelo gestor público, que vem desconsiderando há vários anos a progressão dos custos deste sistema. Se em 1979 uma sessão de diálise correspondia a 2 salários mínimos da época, em 2013 uma sessão foi paga a 0,25 SM do ano, com insumos importados, atrelados ao dólar, mão de obra especializada e maiores demandas legais. Sendo assim, o impasse é real e imediato em torno de sobrevivência da nossa área.
O impacto da crise hídrica em curso na Região Sudeste ainda não atingiu as clínicas de diálise de nossa região, altamente dependentes de água. Multiplique-se o número de pacientes em diálise no Estado do Rio Grande do Sul (RS) por 400 litros de água e ter-se-á a quantidade de água consumida nas sessões de diálise. E são três sessões semanais! Além disso, todos os prestadores de serviços de saúde preocupam-se com o impacto do aumento anunciado no custo da energia elétrica. No RS, teremos aumento de 36,78% (pela empresa CEEE), 50,09% (pela RGE) e 65,96% (pela AES) de acordo com a região (fonte: Zero Hora). Há vários motivos para esta elevação de preço, desde climáticas-metereológicas, passando pelo planejamento da matriz energética brasileira até por atitudes políticas de estímulo ao consumo.
Cabe lembrar que as Clínicas de diálise pagam tributos (PIS/Cofins, e ICMS – 25%) no custo da energia e em outros ítens de sua atividade, o que abre a possibilidade de discutir a renúncia fiscal como uma alternativa. O sistema brasileiro de diálise já vem então com grande dificuldade em obter sustentabilidade econômico-financeira, e o anúncio do aumento de energia promete agravar a situação. Por isso, a Sociedade Brasileira de Nefrologia e Sociedade Gaúcha de Nefrologia esclarecem aos pacientes e comunicam aos órgãos competentes a respeito desta grave situação. Preocupa a todos nós a vulnerabilidade da manutenção deste tratamento cujo custo cresce a olhos vistos sem que sua remuneração seja reajustada há mais de quatro anos.
Apelamos para os gestores para que sensibilizem-se com a vulnerabilidade das clínicas de diálise, e em especial com as vidas de 100 mil pacientes brasileiros que dependem delas. A sociedade precisa agir, chamando seus representantes para esta responsabilidade com a cidadania brasileira. Os pacientes bem sabem o quanto dependem disso.
Fonte: Sociedade Gaúcha de Nefrologia – SGN  

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